terça-feira, 14 de junho de 2011

Carta ao Homem de Vidro - Por Alessandra Caetano Gomes



O Caminho de quem toma a pilula vermelha é irreversivel. sabe aquela do filme "Matrix", que Neo engole para finalmente enxergar o que todo mundo sabe, mas também todo mundo fecha os olhos para não ver?

A Questão da Humanização do Parto passa também pela forma com que a gestante é acolhida, pela sociedade, pela equipe que irá apoiá-la, não só a equipe médica, mas o Pai, a Mãe, o Marido. Pessoas queridas tão próximas e por vezes ao mesmo tempo tão distantes dos reais anseios daquela mulher-mãe-guerreira que está nascendo, após a descoberta da gravidez. Uma mulher que pensa em nada mais, a não ser em trazer para a vida, DA MELHOR FORMA POSSIVEL, o ser mais amado que ela sentirá crescer dentro de si por nove meses. Por mais que ela saiba, instintivamente, o que é melhor para seu filho, justamente quem deveria ser o seu apoio, na hora P (de "parto") se volta contra ela, contra a natureza da sua fisiologia, contra sua liberdade de escolha. E na maioria das vezes, essa mulher cede, por desinformação, desrespeito, desatenção, ou por se abater tanto com as reais escolhas que o "sistema" lhe oferece, que desiste. A melhor fase de sua vida, que deveria ser a gravidez, o parto e o pós-parto torna-se uma verdadeira batalha pelo seu ideal de vida, quando a pilula é tomada, ás vezes, nos quarenta e cinco do segundo tempo, com quase 30, 37 semanas de gestação.

E ás vezes até lhe apresentaram á pilula, mas a mulher não faz questão de saber por si mesma "como seria", prefere ouvir a "Deusa Disque" ("diz que" na cesária não tem dor, "diz que" é porque o bebê não sofre...), incorporada por pessoas próximas que nem passaram pela experiência, mas que também "ouviram dizer" que era mais "cômodo, mais limpo" um "parto" assim. Ai eu pergunto, principalmente, para os maridos que fazem questão de dizer que a cesárea foi melhor para suas esposas: melhor como? foi você que teve sua barriga aberta, sentiu as dores e desconfortos do pós operatório, que não conseguiu amamentar seu filho, que chorou horrores ás vezes escondido por um bico fissurado e teve dores musculares por todo o puérpério, pois seu organismo não aguentava a roda-viva de hormônios descontrolados que não foram "utilizados", que seriam melhor aproveitados num parto vaginal, tanto pela mãe quanto pelo bebê, mas foram desperdiçados por uma cesárea?

Foi legal você ouvir, de uma enfermeira que você nunca viu na vida, despreparada pra lidar com pessoas (que paradoxo, hein??) que sua esposa "não gritou pra fazer, porque estava gritando agora?" ou "na hora de abrir as pernas foi fácil, agora tá chorando porque?"

Com a devida autorização, posto aqui as palavras que li na lista de discussão PartoNosso, que tanto me passaram pela cabeça enquanto estava grávida, mas que nunca consegui externar com tamanha gana e vontade de vencer, e que me fizeram relembrar que, mesmo contra todas as adversidades, ainda podemos contar com nossa "força interior" para fazer a mudança acontecer. beijos, Alê, e força na peruca!!!


"Data: Quarta, 1 de Junho de 2011 10:34

Caro Dr.:

Não estou tampouco te criticando. Sei exatamente do teu sofrimento, pois lido com isso há 30 anos. Posso entender claramente sua dor e sua indignação com a dificuldade de conseguir um parto respeitoso e digno. Entretanto, minha intervenção apenas se prende a necessidade de você ultrapassar a fase de lamentação e partir para o ataque. Sim, atacar os pontos que você considera errados na atenção às grávidas. Aqui mesmo nesta lista há DEZENAS de pessoas que pararam de reclamar e arregaçaram as mangas para transformar a realidade dos nascimentos em suas cidades. Ações na prefeitura, nos hospitais, entre os políticos, na sua comunidade, etc...
O que eu considero de mais errado na atenção as grávidas é o desrespeito do médico pela inteligência delas. Os médicos não tratam nem as mulheres e nem os pacientes como "gente grande". Eu sei o que falo porque sinto e senti na pele o autoritarismo paternalista dos médicos, e não digo apenas de médicos obstetras. Os médicos, em sua maioria, odeiam serem questionados, contestados, e até testados.

Eu já falei isso aqui algumas vezes, quando fui numa consulta com o Dr. P, e perguntei sobre como era a questão da ocitosina e epísio durante o parto. Ele me disse autoritariamente que eu não tinha opções, nem escolhas, que receber ou não epísio e ocito eram protocolos hospitalares e não uma opção minha. Que o médico é quem sabia o que era melhor e ponto final. OU seja, eu sou o médico, eu me formei, eu sei e cala a boca! Isso não é um tratamento respeitoso, e sim autoritário e paternalista, e com essas coisas eu me recinto demais! Não suporto figuras autoritárias, do tipo você cala e obedece porque você não tem direito de saber e entender nada. Não gosto de ser tratada como ignorante, nem alienada, quando eu sou uma pessoa que faz parte da minoria que estuda e se informa. Não estou esperando o médico-princípe encantado e sim o médico que me respeite se eu disser não quero epísio, não quero ocitosina, não quero manobra de kristeler, não quero nitrato de prata no meu filho, nem essa vitamina k... Mas como o sr. disse um dia "espero que na hora você esqueça tudo o que sabe"... e acho que isso não vai acontecer, mesmo que eu não tenha forças para brigar.

Eu parti para o ataque sim, Dr.! Quando estava em Rio Preto, eu fui em alguns G.Os e todos eram cesaristas pelo pouco que argumentei com eles. Eu procurei as doulas da região. Uma delas simplesmente me disse que não acompanhava partos porque odiava, porque acompanhou dois e não gostou nenhum pouco. Agora me diga, como eu vou confiar numa doula que não assiste partos porque não gosta? Se eu contrato uma doula é porque preciso dela na hora do parto e não antes ou depois. Procurei outra que jamais me retornou os e-mails que mandei. E uma outra eu descartei porque vi que respondia por processo quando pesquisei sobre ela na internet. Em seguida eu procurei as 3 maternidades de SJRP que atendem o SUS, nenhuma delas respeita o acompanhante de parto, mesmo eu argumentando que existe LEI para isso. Escrevi para dois jornais da região denunciando, não obtive resposta nem de recebimento das denúncias. Recebi orientação para procurar o ministério público, mas decidi ir para a casa da minha mãe, porque o estress estava demais.

Vim para Uberaba, e aqui não tem doulas, perguntei para muitas mulheres sobre os dois hospitais que atendem pelo SUS, e me disseram para fugir de um deles. Conversei com a G.O que atendia no posto. Fui em duas consultas, adorei ela, muito atenciosa, quando conversei sobre parto domiciliar, ela me disse que achava tudo muito bonito, mas que PD é uma forma muito romântica de encarar o parto, e que em Uberaba não existem esses profissionais humanizados e nem métodos humanizados nos hospitais, mas que ela me encaminharia para o Hospital Escola porque lá aceitam acompanhante durante e depois do parto. Pra mim já é alguma coisa. Agora estou sem G.O de novo, porque ela saiu do posto para trabalhar para a UNIMED. Falei com 4 enfermeiras deste mesmo posto sobre parto humanizado. Com elas eu senti que posso contar em alguns aspectos como a puericultura, e a amamentação, mas não com uma doulagem. E essa semana elas irão fazer uma palestra para explicar os tipos de parto que existem, para uma população de nível sócio-econômico extremamente baixo e isso porque eu fui até elas.

Talvez meu dedo esteja nessa ação. Eu estarei lá para colocar sobre o parto humanizado, mas elas ainda não sabem que eu vou jogar essas questões quando abrirem o tempo para perguntas. Procurei fisioterapeuta do posto para aprender os exercícios que me ajudarão a manter meu perí­neo mais forte. Eu não estou parada. Mas estou paralizada sim, financeiramente, e não acho apropriado este local pra dizer o porquê de ter chegado numa situação financeira ruim.

Não posso assumir compromissos que não poderei honrar. Minha ùltima tentativa é o contato que fiz com um grupo de doulas de Uberlândia que alguém aqui da lista me informou... estou esperando resposta. Mas o tempo está passando... Estou gestando há quase 8 meses, e desde que sai da anestesia da ignorância a respeito do que é parto e gravidez, eu sinto que estou em TP. O meu parto. Eu não quis essa gravidez, porque eu não planejei, jamais me vi como mãe de alguém, pensar eu pensava nisso, mas jamais planejei. Quando soube da gravidez assumi a responsabilidade não por culpa, mas por responsabilidade de não ter tomado todas as precauções para não engravidar num momento conturbado da minha vida. Eu amo meu filho Dr. Eu quis dar a ele um PD sim, mas não pude. Então eu fui procurar um PH e não achei. E nao posso encarar um PD desassistido, porque não sou médica, nem profissional da saúde para resolver quaisquer emergências.

Eu sou uma só, no meio de uma multidão aqui nesse lugar, e achava que por aqui existissem profissionais humanizados.. Andei de uma região para outra, onde dou de cara com cesaristas e desumanizados. Eu fiz o que podia e o que posso no limite das possibilidades que se me apresentaram. Eu corro risco de sofrer sim um parto frank, mas não porque eu mereço, eu não mereço não. Mas não vai ser uma epísio ou uma ocitosina que vai definir a mãe que eu sou ou serei. Eu posso muitas coisas, se eu tiver como planejar, se eu não tiver vou dar de cara com muitos obstáculos, e é isso que está acontecendo comigo.

Mulheres vão continuar gritando por cesária, por ignorância mesmo, por aceitarem a cultura paternalista de que médico sabe o que é melhor para elas, como se fossem seus próprios pais, elas não querem ser tratadas como mulheres grandes, elas não querem sentir dor. Só uma minoria louca feito nós aqui, que sabem dos benefícios do PN para gritar por ele. Mas ficar aqui na lista falando pra quem concorda, pra quem sabe é fácil. E eu vomitei tudo que tinha que vomitar mesmo porque estou cansada de saber o que fazer e ver tantos obstáculos, e não me venham dizer que eu não tento, eu tento estou tentando. Mas eu sei também das limitações pelas quais estou passando. E eu não sei porque eu tenho que passar por tudo isso... não era assim que eu queria ou que deveria ser, mas é, eu vou tentar parir com o que posso, sou eu que vou parir, então esperem o meu parto.

De tudo isso que me aconteceu, e vai acontecer com outras, a única coisa que eu sei que o parto do meu filho é o meu parto também. Eu vou para o hospital emponderada pronta pra dizer não a epísio e a ocitosina, mas se eu não conseguir, o que mais vai importar pra mim é o bem estar do meu filho, e a mulher que vai renascer de dentro de mim. Alessandra velha, está morrendo...aquela que nunca se viu como mãe, mas que Deus resolveu dar essa experiência para ela crescer. Eu sou a protetora do meu filho nessa terra, ele é mais importante que a dor que eu sentir, porque vai ser a primeira vez que dor vai ser igual a amor. Não estou com medo não...medo de episio, não, meu medo é que eu sei que por mais que eu queira, as coisas podem sair do controle, e eu vou ter que ter paciência para não ficar me culpando, nem assumindo postura de vítima ou de algoz. Meu parto já começou atrás das minhas orelhas...

Alê, muito cansada de debate, com dor nas costas, e no pé da barriga, mas totalmente consciente da própria capacidade de parir e de ser mulher..."

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